22/09/2015

Dúvidas sobre nulidade matrimonial? Entenda a reforma!

Brasília, 15 de Setembro de 2015 

Publicamos a seguir o artigo de Dom Valdir Mamede, Bispo Auxiliar de Brasília e Presidente do Tribunal Eclesiástico. 
Primeiro ponto
Inicialmente é necessário que a terminologia seja utilizada de forma adequada. Não se trata de “anulação de casamentos”, mas de “declaração de nulidade matrimonial”. O uso equivocado dos termos poderia conduzir à interpretação errônea da norma. Quer dizer, a Igreja não “anula” nenhum casamento. O que ela faz é, depois da instrução de um processo judicial, declarar mediante Sentença que um casamento é nulo já desde a sua origem. Ou de outra forma, que “nunca deveria ter existido”. Nulidade é diverso de anulação; quer dizer, declarar nulo um casamento é absolutamente diferente de decretar sua anulação. Se um matrimônio é válido, ele não pode ser “anulado” por nenhum poder humano. O que Deus uniu, o homem não separe, afirma a Sagrada Escritura.
De acordo com a vigente legislação canônica, um matrimônio é considerado válido quando as partes contraentes são juridicamente capazes, não consta nenhum impedimento prévio, não consta presença de nenhum vício de consentimento em quaisquer das partes e foi observada a forma estabelecida pela Igreja.
A legislação canônica em vigor na Igreja latina foi promulgada pelo Papa João Paulo II, em 1983. Já foram realizadas algumas alterações em seu texto nas épocas dos Papas João Paulo II e Bento XVI. Portanto, a ação do Papa Francisco se situa em linha de continuidade, e é assim que deve ser lida e interpretada. Quer dizer, ação do Romano Pontífice enquanto legislador para a Igreja universal, no que não tem nada de “novidadesco”.
A presente reforma do direito processual canônico, no que diz respeito às declarações de nulidade de matrimônios, é resultado de um árduo trabalho realizado por uma Comissão especialmente nomeada pelo Papa Francisco. Esta Comissão foi constituída aos 27 de agosto de 2014, e se reuniu inúmeras vezes até que uma proposta “definitiva” pudesse ser apresentada ao Papa.
Ao término dos trabalhos da Comissão, após uma revisão pessoal do Papa Francisco, auxiliado por especialistas em direito canônico, foram publicados dois documentos em forma de motu proprio (palavras latinas que significam, “de própria iniciativa”). Os nomes desses documentos são retirados das suas palavras iniciais em latim, língua em que foram escritos e publicados. Assim, para a reforma de parte do direito processual canônico para a Igreja latina: Mitis Iudex Dominus Iesus; e para a reforma do direito processual canônico para as Igrejas orientais católicas: Mitis et misericors Iesus. A nova normativa entrará em vigor somente no dia 8 de dezembro próximo.
O objetivo do processo de nulidade matrimonial é verificar “caso a caso”, se existem motivos de nulidade como acima citados. Assim, não se trata de “inventar motivos”, mas de verificar e acertar se um motivo de fato existe ou não. E ao término do procedimento judicial, se declarar em favor da nulidade ou se reconhecer a validade do mesmo.
Este procedimento judicial, apesar dos esforços dos atuais Tribunais Eclesiásticos, não tem sido finalizado em tempo considerado adequado. E os problemas para a agilização são vários segundo as circunstâncias e lugares: falta de pessoal qualificado, falta de estruturas adequadas, problemas econômicos, dificuldades para se ouvir as partes e testemunhas etc.
Assim, o escopo dos dois documentos recentemente promulgados é alcançar maior agilidade nos processos, e assim ajudar melhor os fiéis que venham a solicitar da Igreja o acertamento sobre suas situações que são sempre muito particulares.

Segundo ponto
Dentre as modificações que o Papa Francisco promoveu na vigente legislação processual canônica para as declarações de nulidade matrimonial, é interessante para o conhecimento dos fiéis, indicar três: a) aquela relativa à composição dos Tribunais; b) a abolição da dupla decisão conforme; c) o processo abreviado.

a) Quanto à composição dos Tribunais
Parte-se da premissa que, em sua diocese, o bispo diocesano é o juiz nato. Por isso, em princípio, as causas que se apresentarem em sua diocese podem ser julgadas por ele mesmo (monocráticas); ou ele pode constituir um Tribunal que faça as suas vezes (tribunal diocesano); ou ainda recorrer a um outro Tribunal (interdiocesano).
A preferência da legislação é pelo Tribunal chamado “colegial”, formado por três membros clérigos. Contudo, se não é possível que todos sejam clérigos, se permite que um só seja clérigo (reservada a presidência a este) e que os outros sejam leigos.
Quando não é possível que o Tribunal seja colegial, a norma permite o juízo monocrático, mas neste caso o juiz único deve ser clérigo, e deve (se possível) ser auxiliado por dois assessores (de conduta ilibada, peritos em ciências jurídicas ou humanas), devidamente aprovados pelo bispo para o cumprimento desta tarefa.
O Tribunal chamado de apelação (ou de segunda instância) não é abolido. Este Tribunal deve sempre ser colegial e presidido por um clérigo.

b) A abolição da dupla decisão conforme
Fica abolido o envio ex officio das Sentenças exaradas pelo Tribunal de primeira instância ao Tribunal de Apelação para reanálise da Causa – e sua posterior homologação ou indeferimento. Quer dizer, não é mais obrigatória a apelação a um segundo grau de juízo.
Deste modo, a Sentença de primeira instância se torna operativa após o decurso do prazo estabelecido para sua publicação e devidas comunicações aos interessados. Contudo, continua aberta a possibilidade de apelação ao Tribunal de segundo grau, seja por quaisquer das partes (demandante ou demandada) bem como do promotor de justiça ou ainda do defensor do vínculo.
Todavia, caso o Tribunal de apelação se aperceba que o recurso é uma manobra dilatória, neste caso, deve imediatamente confirmar a decisão mediante um decreto homologatório.

c) O processo abreviado
No intuito de dar maior celeridade ao processo, observadas algumas condições, se pode proceder ao processo chamado “abreviado”. A estrutura dos procedimentos previstos é muito mais ágil e veloz.

Quais seriam as condições exigidas para o uso do processo abreviado?
a) juiz é o próprio bispo diocesano (monocrático)
b) a Causa é introduzida por ambas as partes, convencidas da nulidade do próprio matrimônio
c) deverão ser ajuntadas provas testemunhais ou documentais que evidenciem a pleiteada nulidade
d) o prazo estabelecido para a instrução e tomada de decisão é de 45 dias (inicialmente 30 dias, aos quais se acrescentam outros 15 dias para observações posteriores)
e) caso alcance a certeza moral da nulidade do matrimônio em tela, a Sentença é exarada pelo próprio bispo diocesano
f) caso não seja alcançada a certeza moral, o bispo deve remeter a Causa para a análise em processo ordinário. Se prevê a possibilidade de apelação contra a decisão pro nullitate de parte do bispo, a qual não pode ser meramente dilatória (neste caso, a apelação deve ser rejeitada).

Terceiro ponto
A nova normativa codicial vai exigir muito estudo por parte dos que vão se dedicar ao exigente trabalho de verificar se um matrimônio é nulo ou não. Vai ser preciso, igualmente, uma mudança de mentalidade.
O papel do bispo diocesano neste processo vai ser essencial. Todavia, não devemos esperar que tudo se amolde num prazo curtíssimo de três meses, como aquele que vai até o dia 8 de dezembro próximo, quando os dois documentos papais entrarão em vigor. Temos questões ainda a serem resolvidas, dentre as quais aquela acerca das pilhas de processos que já estão protocolizados nos Tribunais e que precisam ser instruídos e decididos – não dá pra imaginar que de uma hora pra outra tudo vai mudar.
O importante, ao meu modo de ver, é que a nova normativa seja conhecida, acolhida, e implementada, respeitadas as condições de tempo e de lugar.







Dom Valdir Mamede
Bispo Auxiliar de Brasília
e Presidente do Tribunal Eclesiástico

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